Rascunhos... Pequenas Histórias do meu Imaginário... - A minha bebé está grávida!



3ª História



Nasceu torta e diz-se que nunca se endireitou, sua mãe não a tinha planeado e quando soube que estava grávida, chorou! Chorou porque não queria, chorou porque ainda era novinha, chorou com medo dos pais e amigos, chorouTudo tem remédio!" dizia. "É na escola? São maus para ti" Sua mãe achava que ela ainda era a sua bebézinha, tão linda como no dia em que tinha nascido, nunca iria imaginar que dentro dela crescia um outro ser, uma outra criança, não amada, não desejada mas que mesmo assim crescia. Havia dias em que não suportava mais olhar para os pais, queria fugir dali, mas para onde? Sabia que sozinha não podia sobreviver. E se fosse só até aquilo nascer? E se depois voltasse a casa? Será que a aceitavam de volta? Será que a perdoava? Os dias passavam, as semanas surgiram do nada e a sua linda e esguia figura ia-se sumindo. Sua mãe brincava e dizia que estava a ficar mais rechonchudinha mas que não importava porque estava linda como sempre. A sua roupa não mais lhe servia mas não podia exactamente pedir mais à mãe. E se ela fosse com ela? E se entrasse no vestiário, como sempre fazia, e visse a sua barriga inchada, esticada? Num suplicio guardava o dinheiro da mesada e ia sozinha, a uma loja barata e comprava roupas que nunca lhe tinha passado pela cabeça comprar, t-shirts largas, calças de elástico,e quando aparecia com estas roupas e a sua mãe lhe perguntava onde as tinha arranjado, dizia que era a moda e que ela já era crescida o suficiente para comprar a sua própria roupa. A mãe entristecia um pouco sempre que ela lhe respondia assim porque as tardes passadas nas compras eram o seu tempo juntas, o seu tempo de serem mãe e filha, o seu tempo de se mimarem com carinhos e abraços e gelados e bolos...não mais foram juntas e sua mãe, embora entendesse que a sua mais que tudo estava a tornar-se mulherzinha, ficava triste do seu bebé que ia gradualmente embora. A mãe por vezes também chorava, pelos cantos da casa, sem que a filha visse, ou assim pensava. Ela via! Via e ainda mais revoltada ficava por nada poder contar à sua melhor amiga, à sua mãe querida, e mais que tudo queria voltar a aninhar-se no seu colo e sentir o seu cheiro a lavanda na curva do seu pescoço, sentir os seus cabelos cor de mel a fazerem-lhe cócegas no seu nariz. Queria muito poder contar, mas não sabia como e sentia cada vez mais um tapete a ser-lhe puxado sem dó nem piedade de debaixo dos seus pés. Que aflição? Uma vez chegou a ligar para aquelas linhas que anunciam na televisão, esperava poder falar sem que lhe perguntassem nada demais, mas assim que atenderam, ela desligou. Nunca mais tinha dito em voz alta que estava grávida, só da vez em que informara o pai da criança e este nunca mais lhe falou, lhe dirigiu uma só palavra porque também ele tinha medo. Um dia, preste a entrar no banho, sua mãe bateu à porta, uma porta que nunca antes era fechada, e ela gritou. De medo, de raiva e disse que não a queria mais ali porque afinal de contas já era mais que crescida para tomar banho sozinha e gritava " Não preciso de ti! Sei tomar banho sozinha, Deixa-me em paz!" E a mãe afastava-se da porta de cabeça em baixo, ombros curvados e olhos mareados de lágrimas. O marido via que o seu lar estava mudado mas também ele tinha medo e não compreendia esta mudança e ficava até mais tarde no trabalho e por isso não viu as lágrimas que começaram a cair pelo rosto da mãe abaixo, tantas que ela deixou de ver e teve de se sentar na cadeira da cozinha para não tropeçar em nada. Era oficial. A filha odiava-a e ela nem sabia dizer porquê. Se calhar tinha entrado naquela fase do armário, em que os filhos não mais querem saber dos pais, os odeiam só porque sim. Cheia de coragem fez-lhe um bolo, daqueles que ela adorava, daqueles que ela antigamente ajudava a fazer... nunca mais... A mãe esperou que saísse do banho e chamou-a à cozinha.
- Filha, podes vir falar comigo? Quero compreender o que se passa contigo... eu amo-te filha! Nunca te vou querer mal. Sabes que sou tua amiga e te vou ajudar...
Ela não aguentou mais! Ver a sua mãe ali, naquela cozinha tão cheia de amor e aromas do bolo de chocolate que ela tinha feito especialmente para si, o bule fumegante de chá de frutos vermelhos adocicado com mel e que cheirava tão bem e que ela tanto adorava, e a sua mãe... Olhos compreensivos, sorriso nos lábios e braços estendidos na sua direcção, ela não aguentou e desatou a chorar. Lágrimas de dor, de alívio, de criança que ainda precisa da sua mãe e devagar, mesmo muito devagarinho, olhos fechados, levantou a t-shirt e mostrou o seu mais profundo e aterrador segredo. A mãe nada disse. Levou a mão à boca, tapou-a e chorou. Olhou a filha nos olhos, estendeu uma mão e disse
-Vem meu bebé!
E ela foi e aninhou-se no colo que há tanto tempo desejava e as duas choraram de dor e alegria...

Sara acordou com lágrimas nos olhos. O sonho tinha sido tão real que ela ainda sentia o cheiro da mãe. Tinha andado a considerar se era neste próximo fim de semana que iria dormir com o seu namorado. Aquela questão andava a incomoda-la e a persegui-la há vários dias. Gostava dele mas não o suficiente para perder a sua virgindade tão nova. Sentou-se na cama, limpou as lágrimas e pôs a mão sobre o peito como que  a querer acalmar o seu coração. Não sabia se havia de rir ou chorar.
-Que sonho Meu Deus! Parecia que estava mesmo lá...
A mãe entrou sorridente como sempre e deu-lhe os bons dias em voz quase cantante. Abriu as cortinas cor de pêssego e entregou-lhe uma chávena fumegante de chá vermelho. Reparou no olhar da filha e sentou-se na cama. Ela contou à mãe o seu sonho e um pouco envergonhada contou o que a perturbava. A mãe ouviu em silêncio e abraçou-a. Disse que se ela quisesse dar inicio à sua vida sexual, embora achasse que ela era ainda muito nova e que havia ainda muito tempo e que com toda a certeza conheceria um rapaz de quem ela gostasse mesmo de verdade. Disse-lhe ainda que estava na altura de irem as duas ver um médico, saber se estava tudo bem antes dela decidir.
-A mãe vai estar sempre do teu lado. Tens 16 anos e ainda és nova, e sentes tu própria que ainda não está na hora, se não não terias tido este sonho. Só quero que me digas quando decidires. Sei que é estranho falar comigo sobre estes assuntos e se te sentires assim, podemos encontrar alguém com quem tu possas desabafar. Eu preferia que te guardasses ainda mais uns aninhos. Ficarei triste quando acontecer mas só porque isso significa que te tornaste mulher e eu já não te vou poder chamar de meu bebé...
Riram-se as duas e mais uma vez se abraçaram. A mãe olhou-a nos olhos e com a mão afastou uma madeixa de cabelo que caíra sobre a face daquela menina, tão sua, tão linda, a sua filha.
Nesse dia saíram as duas e tiveram uma tarde só sua, de mimos e carinhos, de scones quentinhos a derramar manteiga e doce, fizeram compras, rira,-se e abraçaram-se muito. No fim do dia a mãe levou-a a uma instituição onde a maioria eram raparigas da sua idade e ainda mais novas, com filhos bebés nos braços. Raparigas que tinham avançado com a mesma ideia mas que tinham ficado grávidas sem querer. Algumas tinham a ajuda e o apoio dos pais, outras nem por isso. Ela olhou para a mãe como que a pedir que a tirasse dali mas compreendeu que era a maneira da mãe a ajudar a ultrapassar aquela questão. Falou com algumas das raparigas e compreendeu que uns minutos de prazer por vezes não compensavam os resultados. Algumas arrependiam-se, outras não e assumiram com dificuldade as responsabilidades de ter um filho. Deixaram algumas coisas que tinham comprado e quando saíram conversaram mais um bocadinho. Primeiro explicou que tinha ficado assustada e zangada até por a mãe a ter levado até ali. Mas depois confessou que, ali, naquela instituição, no meio daquelas raparigas e bebés, percebeu o que queria fazer para o resto da sua vida. Queria ajudar, queria ser assistente social. A mãe acenou com a cabeça e ficou contente com esta decisão... se assim seria ou não o tempo lhe diria. Por hora estava tranquila, satisfeita mesmo e as duas seguiram o seu passeio, ela com a cabeça deitada no ombro da sua mãe, a cheirar aquele cheiro de lavanda tão característico, a mãe com um sorriso nos lábios.

3 comentários:

  1. Gostei muito! Parabéns pelo seu texto, que achei de uma sensibilidade muito grande.

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    1. Obrigada Bruxa Mimi, não foi de todo o que me aconteceu mas um dia tive vontade de aprofundar este tema e como tenho uma filhota linda e o medo de algo do genero acontecer, mesmo com todo o cuidado do mundo, é sempre muito. Achei que tinha de colocar para fora estes sentimentos e exorcizar um pouco os meus medos... claro aliado ao facto de adorar escrever e criar histórias. Fico muito contente por ter gostado e por te comentado. Obrigada

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    2. No meu comentário estive para referir que poderia, mais tarde, usar este texto como ponto de partida para uma boa conversa com a sua D. Pimpolha, (aliás pensei eu própria usá-lo com as minhas filhas!), mas depois preferi omitir essa parte... Em relação a ter ou não passado por algo semelhante, sinceramente não me passou pela cabeça que tal lhe tivesse acontecido ou não - não fiz qualquer juízo de valor (que seria sempre inconsistente e hipotético, se tivesse feito), apenas comentei a qualidade do texto. Muito bom!

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